segunda-feira, novembro 26

"eles estão doidos"

parece que é isto que nos espera.
Será boa altura para o direito de resistência.

sexta-feira, novembro 23

poeta


Para escrever um simples verso,
é preciso conhecer muitas cidades,
homens, animais.
É preciso ter a alma aberta
para o voo dos pássaros,
e ser capaz de perceber
os gestos das flores
que se abrem ao amanhecer.

Para escrever um simples verso,
é preciso viajar
por regiões desconhecidas,
estar preparado para encontros
e desencontros inesperados.
É preciso saber voltar
a momentos de nossa infância
que até hoje não conseguimos compreender.
É preciso lembrar do que sentimos
quando ferimos alguém
que sempre nos desejou o melhor possível.

Para escrever um simples verso,
é preciso passar muitas manhãs
diante do mar, muitas tardes diante do pôr-do-sol,
muitas noites diante de quem amamos.
Tudo isso para escrever um simples verso.

Rainer Maria Rilke

sábado, novembro 17

li...



um livro extraordinário de Sebastião Salgado, com 250 fotografias recolhidas em África nos últimos 30 anos.
O livro, da Taschen, "África” foi dividido em três partes e foi a sua mulher, Lélia, que o organizou.
A primeira parte retrata o Sul (Moçambique, Malawi, Zimbábue, África do Sul e Namíbia), a segunda, a região dos Grandes Lagos (Congo, Ruanda, Burundi, Uganda, Tanzânia e Quênia) e a terceira a região subsaariana (Burkina Faso, Mali, Sudão, Somália, Chad, Mauritânia, Senegal e Etiópia). O prefácio, quem o escreveu foi Mia Couto que escreve esta coisa extraordinária antecipando as fotos terríveis que se seguem.
"A justificação mais fácil é apontar o dedo ao passado, às heranças coloniais. Explicações sobre as razões da violência abundam:motivações étnicas, históricas, tribais. Na realidade, aqui se repete aquilo que é comum ao mundo: a habilidade das elites criminosas manipularem as pessoas e se servirem da vida alheia como simples meio de guardar poder e acumular riqueza. A especificidade africana é muitas vezes invocada pelos próprios africanos para legitimar o inconcebível. Alguns dos regimes africanos já não precisam de inimigos externos para desprestigiar o continente: melhor que ninguém eles atentam contra a dignidade e o bom nome de África"
Até que enfim que se fala sobre a fome em África, sem pedir o perdão da dívida, e sem responsabilizar o Ocidente pela miséria do Continente Africano. Como se os seus corruptos líderes nada tivessem a ver com isso.
Mas o livro!! o livro é de uma violência por vezes sufocante. E um retrato horrível da bestialidade humana, a mais devastadora doença africana do nosso tempo. Há imagens que não imaginava possíveis, imagens que reflectem uma tristeza insuportável de fome, de extermínio, de doença, de guerras, de massacres, de fuga. E mesmo no sorriso das crianças e nas belas mulheres africanas, Salgado consegue fotografar a tristeza, nas suas almas.
Só não são tristes as belas paisagens africanas do deserto, das tempestades, do pôr do sol, como se Salgado nos quisesse dizer que em África só a Natureza está em paz.
Nunca tinha lido nada tão bonito e trágico de África escrito em imagens. E em língua portuguesa.

sexta-feira, novembro 16

o que será...



que contêm os 60 mil documentos que estavam no seu gabinete de Ministro da Defesa que Portas mandou digitalizar?

o aborto




"O ministro da Saúde, Correia de Campos, anunciou hoje que vai apresentar uma queixa ao Ministério Público face à recusa da Ordem dos Médicos em alterar o artigo do seu código deontológico que considera a prática de aborto como uma “falha grave”."
Se a Ordem não acaba com o artigo o Governo tem que acabar com a Ordem.

terça-feira, novembro 13

«¿Por qué no te callas?»



Na XVII Cimeira Ibero-Americana no Chile e depois de Hugo Chaves ter chamado fascista ao ausente Aznar veio o Rei e o Primeiro Ministro de Espanha em sua defesa.
Este pequeno incidente foi o suficiente, para que toda a direita puxasse dos adjectivos, e dissesse que o homem é um ditador, que quer alterar a constituição para se perpetuar no poder, que é populista, que é demagogo etc. etc.
Fosse ele amigo de Bush, e mesmo com estas características, já a direita diria que é um homem frontal, que diz o que pensa, exactamente o que diz de Alberto João Jardim, com quem Hugo Chaves se parece.
Chaves não é personagem com que simpatize, mas a demagogia de Chaves é menos mortal que as mentiras de Bush e dos seus apoiantes-entre os quais Aznar-na guerra do Iraque.

segunda-feira, novembro 12

as coisas


A bengala, as moedas, o chaveiro,
a dócil fechadura, essas tardias
notas que não lerão meus poucos dias
que restam, o baralho e o tabuleiro,
um livro e dentro dele a esmagada
violeta, monumento de uma tarde
por certo inolvidável e olvidada,
o rubro espelho ocidental em que arde
uma ilusória aurora.
Quantas coisas,
limas, umbrais, atlas, copos, cravos,
nos servem como tácitos escravos,
cegas e estranhamente sigilosas!
Durarão para além do nosso olvido
e nunca saberão que já nos fomos.

Jorge Luís Borges

quarta-feira, novembro 7

mãos ao ar...


há algum tempo que venho a ler títulos de artigos de opinião em que se propõe uma baixa nos impostos. E pensei "aqui está uma boa proposta". E comecei a fazer contas. Se me baixarem o meu escalão de IRS que está no máximo, poupo tanto, se baixarem os impostos sobre a gasolina poupo x, se baixarem o Iva poupo Y, e por aí fora, ao mesmo tempo - com um sorriso nos olhos - que ía vendo programas de férias em destinos paradisícos.
Mas quando vi a fotografia de um tal Frasquilho,a defender a baixa dos impostos, pus a mão na carteira, e resolvi ler a proposta. E afinal, o que estes rapazes propoêm (não está sozinho) é baixar os impostos nas empresas, claro, para que assim,se crie mais riqueza, mais postos de trabalho, mais competitividade, blá blá blá.
Coisa que as nossas empresas ainda não fizeram, mas que passariam desde logo a fazer.
Ao contrário se fosse uma diminuição dos impostos sobre o rendimento, já as familias poderiam adquirir mais coisas, comer melhor,comprar mais livros,ir mais ao cinema e ao teatro, enfim, ter uma vida mais digna, e assim criar mais postos de trabalho.
E quando já me estava a ver de livro na mão e toalha estendida em areia fina, interroguei - me.
Mas porque razão estará o tal Frasquilho preocupado com o desemprego em Portugal?

segunda-feira, novembro 5

Rio das Flores



Miguel de Sousa Tavares escreveu um livro de 627 páginas- mais 100 que o Equador - que conta a história de uma família latifundiária alentejana em três gerações e tem como cenário, o Alentejo, Espanha e Brasil, e que li na maior parte do tempo com agrado.
Não deixo no entanto de encontrar algumas fragilidades no livro que tanta expectativa criou no seu lançamento.
O livro conta uma história que se lê com facilidade mas não deixa nenhuma margem ao leitor. Está lá tudo o que MST quer dizer.
As descrições são longas como se não pudesse ser de outra maneira. MST tem medo que os seus leitores não percebam o que ele quer dizer e torna assim o livro excessivamente descritivo.
Por outro lado tem urgência a que fiquemos a saber tudo o que uma personagem pensa acerca de tudo, caindo em exageros que não ficam bem no personagem que escolheu.

Reparem nesta.

Maria da Glória a matriarca da família com cerca de 50 anos, mulher de um latifundiário Alentejano que casou aos 18 anos que não estudou nem trabalhou tem esta opinião sobre Salazar. Isto nos anos 40.

“não sabia, talvez, o suficiente acerca de política para explicar porquê, mas o seu instinto não a deixava gostar do que via, do que ouvia, do que sentia. Talvez fosse o homem, mais do que o regime: ela não gostava de Salazar. Não gostava da sua voz de falsete que soava a manha a cada frase, não gostava da sua cara de merceeiro beirão, mais esperto que a freguesia, não gostava da sua pequena estatura (lembrava-se de Manuel Custódio ter dito um dia: "desconfiem sempre de homens baixinhos na política." Mas acima de tudo, não gostava de alguns traços tão louvados da sua personalidade: a de homem sem mulher, sem amantes, "casado com a Pátria", sem filhos, sem amigos, sem irmãos próximos, sem vícios, sem luxos nem fraquezas, que nunca ninguém vira comprar um livro, um quadro, um disco, fumar um charuto ou até um cigarro, ver uma tourada, ir à praia ou ao cinema, gostar de futebol ou de jazz ou mesmo de fado, que nunca viajara fora de Portugal nem sequer a Badajoz, que nunca aceitara deixar-se confrontar numa discussão política ou num artigo de jornal.”

Uma mulher sem instrução que não gosta de Salazar porque nunca “ninguém vira comprar um livro” nem gostar de jazz? Nos anos quarenta? Ninguém acredita nisto.

Não se deve partir para esta leitura com expectativas muito altas. Estamos na presença de um livro de entretenimento nada mais do que isso. De razoável entretenimento. E se as vendas atingirem os cerca de 500 mil exemplares que o Equador vendeu, isso é bom, significa que há mais gente a ler.
Gosto do MST como jornalista e cronista e gosto da sua postura ética, mas para que MST se possa tornar num bom escritor, era preciso que conseguisse escrever um romance em 150 paginas e isso ele não é capaz de fazer.
Apesar de tudo, vou esperar e comprar o próximo.

Rio das Flores
Miguel Sousa Tavares - Oficina do Livro 

sexta-feira, novembro 2

aqui está um texto elucidativo sobre educação

oxalá




não seja verdade o que se publicou
sobre Catherine Deneuve na recente
biografia não autorizada de Bernard Violet

erros fatais


há duas semanas o Banco Mundial divulgou o seu 30º relatório, em que considera que a agricultura é fundamental para combater a pobreza mundial.
Esta conclusão surge depois do mesmo Banco ter admitido que se enganou por ter estimulado os camponeses a desinvestir na agricultura.
O desenvestimento nos ultimos anos foi geral já que 75% dos pobres do mundo vivem em zonas rurais e apenas 4% do apoio oficial do Banco era dirigido à agricultura.
Pena é que não possam ressuscitar quem morreu em resultado desta política.

quinta-feira, novembro 1

vou ter um bom fim de semana...


a ouvir Rostropovich tocar as suites de J. S.Bach

um casaco


Fiz à poesia um casaco
Todo bordado e com rendas
De velhas mitologias,
Do pescoço até aos pés;
Mas os asnos mo roubaram,
Usaram-no aos olhos do mundo,
Como se o tivessem feito.
Poesia, deixa-os usá-lo,
Pois que há muito mais coragem
Em passear-se todo nu

W.B.Yeats