segunda-feira, agosto 25

na estação própria


Primavera, Verão, Outono: dias em que se adivinha
Um mundo prévio aos nossos conhecimentos, em que
As flores pensam na concretude do cheiro das cores
E animais de idade indefinida perseguem vidas irrisórias,
Horizontais, evitando serem, com esse nível de conduta,
Assessores da intriga do homem para se tornar divino.

Um metrónomo infalível instala-se em tudo: assim, em Maio
Crias de pássaros no ovo gritam às outras: Nasçam!,
Os cucos surpreendidos por junho desafinam; quando Julho
Obeso liga o calor da terra, desembaraçando amarras venenosas,
As víboras entram na festa; avisadas pelo beliscão de Outubro
As folhas novas dão às velhas o puxão libertador.

Todavia, o Inverno tem o verbo certo de um olhar caseiro
Para nós mesmos, sentados cara a cara com os Nomes Próprios,
Tempo para ler os pensamentos, o tempo exacto
De experimentar novos metros e novas receitas,
De reflectir nos factos que meses mais quentes trouxeram
Até que, transmudados, façam parte de uma história humana.

Aí, respondendo à nossa exigência de compreensão,
A Natureza afrouxa o esgar até um arreganho mutável,
Pedras, sapatos velhos, renascem como signos sacrificiais,
Acenam-nos na Primeira Pessoa dos mistérios
Que desconhecem, acertando uma mensagem
Da única Fonte invisível do singular das coisas.

W.H. AUDEN (1907-1973)
O Massacre dos Inocentes

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