Não conhecia nada da obra de Vitorino Magalhães Godinho. Claro que já tinha ouvido falar da sua “Expansão Quatrocentista Portuguesa” e da sua dimensão humana, mas nada mais do que isso.
Com o aparecimento da nova edição, revista e aumentada, tive oportunidade de de ler alguns artigos e entrevistas que falavam da sua carreira ,das suas lutas, e das suas convicções.
O JL na comemoração do seu 90º aniversário, entre outras homenagens, publica uma entrevista em que Magalhães Godinho diz coisas normais que toda a gente já sabe como, “ na verdade, os portugueses não estão interessados em coisas novas.Gritam, barafustam muito mas só querem que fique tudo na mesma.” e coisas extraordinárias como esta resposta à pergunta:
Está desencantado com o rumo da democracia em Portugal?
Não só em Portugal. O mundo actual defronta-se com problemas muito graves de que as pessoas não têm consciência precisamente porque são incultas e porque não estudaram história. Os regimes políticos que no pós II Guerra Mundial, se tinham construído sobre uma base democrática retrocederam de modo que o processo de democratização não se completou. Quando se fala em Estado de Direito não se diz absolutamente nada. Lamento muito mas o nazismo era um Estado de Direito. Votar sem opções verdadeiras, sem discussão nacional, sem consciência, não é Democracia. Aliás basta ver que foi aprovado um Tratado para a Europa sem ouvir os cidadãos e ratificado um incrível Acordo Ortográfico contra os pareceres competentes e o sentir das populações. Como tal não estamos em Democracia em nenhum país. Nem sequer é um ideal porque todos os objectivos estão voltados para o mercado, que é o único valor. Precipitámo-nos para actividades económicas que nos encaminharam para becos sem saída. Todo o processo económico está estrangulado que o mundo é dirigido por grandes redes em relação aos quais os governos não têm qualquer poder, como se vê agora com os preços do petróleo. Dizem-nos que não pode haver emprego que não seja precário? Quem diz isso não ganha 400 ou 500 euros nem tem empregos precários. As políticas ditas neo-liberais fracassaram, desembocando o Mundo numa crise de incalculáveis dimensões, mas certamente estrutural. A orientação do equilíbrio das contas públicas não integradas num planeamento económico que vise o bem público não evita essa derrapagem. Lembre-se que Salazar saneou as finanças, chegando a obter superavite – e o que tivemos depois? 40 anos de atraso do país. Além do fracasso das democracias e do triunfo de uma economia da desigualdade, defrontamo-nos com outro problema crucial: o fanatismo religioso e o ataque à laicidade. Volta-se à obsessão da tradição como combate à modernidade, violando-se direitos humanos essenciais. Esse enquistamento de doutrinas e práticas que consideraríamos absoletas ateiam vagas de extrema violência tornando insuportável a vida quotidiana. Porque não voltamos à utopia?
O dono destas ideias e desta lucidez tem noventa anos e poucos portugueses o conhecem.
E Portugal precisa tanto destes jovens.
Parabéns pelo aniversário, e que faça muitos.
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