segunda-feira, novembro 5

Rio das Flores



Miguel de Sousa Tavares escreveu um livro de 627 páginas- mais 100 que o Equador - que conta a história de uma família latifundiária alentejana em três gerações e tem como cenário, o Alentejo, Espanha e Brasil, e que li na maior parte do tempo com agrado.
Não deixo no entanto de encontrar algumas fragilidades no livro que tanta expectativa criou no seu lançamento.
O livro conta uma história que se lê com facilidade mas não deixa nenhuma margem ao leitor. Está lá tudo o que MST quer dizer.
As descrições são longas como se não pudesse ser de outra maneira. MST tem medo que os seus leitores não percebam o que ele quer dizer e torna assim o livro excessivamente descritivo.
Por outro lado tem urgência a que fiquemos a saber tudo o que uma personagem pensa acerca de tudo, caindo em exageros que não ficam bem no personagem que escolheu.

Reparem nesta.

Maria da Glória a matriarca da família com cerca de 50 anos, mulher de um latifundiário Alentejano que casou aos 18 anos que não estudou nem trabalhou tem esta opinião sobre Salazar. Isto nos anos 40.

“não sabia, talvez, o suficiente acerca de política para explicar porquê, mas o seu instinto não a deixava gostar do que via, do que ouvia, do que sentia. Talvez fosse o homem, mais do que o regime: ela não gostava de Salazar. Não gostava da sua voz de falsete que soava a manha a cada frase, não gostava da sua cara de merceeiro beirão, mais esperto que a freguesia, não gostava da sua pequena estatura (lembrava-se de Manuel Custódio ter dito um dia: "desconfiem sempre de homens baixinhos na política." Mas acima de tudo, não gostava de alguns traços tão louvados da sua personalidade: a de homem sem mulher, sem amantes, "casado com a Pátria", sem filhos, sem amigos, sem irmãos próximos, sem vícios, sem luxos nem fraquezas, que nunca ninguém vira comprar um livro, um quadro, um disco, fumar um charuto ou até um cigarro, ver uma tourada, ir à praia ou ao cinema, gostar de futebol ou de jazz ou mesmo de fado, que nunca viajara fora de Portugal nem sequer a Badajoz, que nunca aceitara deixar-se confrontar numa discussão política ou num artigo de jornal.”

Uma mulher sem instrução que não gosta de Salazar porque nunca “ninguém vira comprar um livro” nem gostar de jazz? Nos anos quarenta? Ninguém acredita nisto.

Não se deve partir para esta leitura com expectativas muito altas. Estamos na presença de um livro de entretenimento nada mais do que isso. De razoável entretenimento. E se as vendas atingirem os cerca de 500 mil exemplares que o Equador vendeu, isso é bom, significa que há mais gente a ler.
Gosto do MST como jornalista e cronista e gosto da sua postura ética, mas para que MST se possa tornar num bom escritor, era preciso que conseguisse escrever um romance em 150 paginas e isso ele não é capaz de fazer.
Apesar de tudo, vou esperar e comprar o próximo.

Rio das Flores
Miguel Sousa Tavares - Oficina do Livro 

2 comentários:

Pedro Soares Lourenço disse...

...exelente comentário..., objectivo e desapaixonado.

Anónimo disse...

boa crítica. Foi exactamente assim que me senti quando o li